quarta-feira, 15 de julho de 2009

Ilha de retornos

Abri os olhos. Não a vi. Nem vi branco. Nem se quer senti aquela paz que tinha sentido anteriormente. Mas trazia as suas palavras gravadas na minha mente como tatuagens. Olhei em volta e estava em casa, deitado na cama, junto à cómoda. Como tinha vindo ali parar? Ela tinha razão, não deveria reflectir para já, pois o esforço seria em vão. Estendi a mão sem mais demoras e abri a primeira gaveta. Vi o seu batom, lenços, uma caneta e pouco mais. Não deveria ser naquela. Abri a que estava imediatamente abaixo e percorri a roupa interior dela. A certo momento senti algo mais duro por entre os tecidos. Era um papel dobrado. Seria uma mensagem dela? Seria o bilhete… o bilhete do seu fim? Hesitei. Estaria pronto para aquilo? Não queria saber. A curiosidade consumia-me, e quando me apercebi, já o tinha desdobrado.
“Lancelote,
Tomei uma decisão. Pode ser egoísta e não ser a melhor, mas é a que encontrei. Quero que saibas também que não a tomei de ânimo leve, reflecti e reflecti mas continuava a parecer-me que era a solução.
Tu não sabes isto, mas quando ias trabalhar, eu ficava vagueando com o meu corpo flácido pela casa ou pelas ruas. Nunca me dei ao trabalho de resistir ao que sentia e por isso, rendendo-me ao desânimo e à solidão, onde o teu regresso a casa era o único momento que me trazia felicidade, eu virei à esquerda numa rua e deparei-me com um triste cenário. Olhei e achei repugnante, mas continuei nessa direcção, e até me sentei perto de umas pessoas que lá estavam desanimadas como eu. Tomei conhecimento daquela verdade cruel e experimentei o sabor da ilusão, vi coisas que o meu cérebro produzira e sabia que não eram realidade, mas fazia-me sentir tão bem… E continuei a fazer isso praticamente todos os dias. Mas tu não notavas, porque me vias sempre como a mulher que amavas e que achavas atraente. Digamos que também me esforçava por encobrir aquele aspecto doentio e o cansaço que sentia quando não consumia os pós mágicos.
Agora, tendo a minha alma contaminada, não consigo viver mais assim. Estou dependente, estou viciada e não consigo fazer nada mais para lutar contra esse vício. É mais forte do que eu, controla-me, comanda-me. Não quero ser assim sabes? Quero ser mais para ti. Quero ser eu de novo. Quero estar contigo como estávamos dantes, e quero estar no mundo como a mulher viva e alegre que era dantes, mas agora não consigo alcançar isso. Acredita que não. E já tentei. Por isso, tomei esta decisão: a de buscar um novo mundo onde volte a ser eu de novo. Acho que é um mundo calmo, tranquilo, mas certezas disso nunca poderei ter. No entanto, tenho a fé que me guia.
Meu amor, eu voltar-te-ei a ver, eu sei, e quero que sejas feliz sim?
Para todos os casos, fica a saber que te amo e que peço desculpa. ”

26 de Maio de 2009; 09 de Junho de 2009; 25 de Junho de 2009
Autoria de: Sara Silva.

5 comentários:

fa_or disse...

"Os pós mágicos" dão a sensação momentânea de luz e atiram para a escuridão... escuridão do próprio e do outro que, tantas vezes, se cega para não ver...
depois pode ser tarde de mais.

Continua. Bjinhos

Maria Clarinda disse...

Gostei bastante do teu texto!!!
espero que continues a brindarnos com estes posts lindos. Jinhos

mímica disse...

Achei mesmo triste o bilhete deixado por Miriam a Lancelot. O que as drogas podem fazer a uma pessoa! Destróiem vidas, felicidade, personalidades, amores, famílias, amizades, tudo...

Sara disse...

os textos são brilhantes espero que continues a postar!
Por vezes a solução para os problemas está dentro de nós e a única forma de encontrar a resposta é só....e no fim ela virá, clara e transparente como sempre foi embora até esse momento não a tenhamos visto!

Anónimo disse...

De volta, se não me engano.

L