quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Festa das Palavras

Era a festa das palavras.

As páginas estavam enfeitadas com acentos e pontos e a música soprava lá no alto, tornando o ambiente acolhedor.

As letras, animadas, sussurravam entre si, rodopiando de canto a canto enquanto gozavam a sua própria vida e liberdade. Faziam-no em grupos: o das flores, que trataram da decoração do espaço, o dos elementos, que convidaram todos os que faziam parte do céu, da terra, da água e/ou do fogo para a festa, o dos palavrões, que eram os mais rudes e arruaceiros de lá, os festivos, que trataram da organização, e muitos mais…

Aos poucos e poucos os grupos fundiram-se e as letras misturaram-se no meio desse tumulto, pois estava próximo o momento por que esperavam: o momento da grande dança.

O Microfone deu as ordens e começaram-se a formar os pares. A Paixão aproximou-se do Amor, o Insecto convidou a Flor, o Ódio esqueceu o que sentia e raivosamente tomou para si o Egoísmo que teimava em gesticular sozinho, a Vela com a Luz e o Animal com a Natureza. Todos pareciam ter par que os completava. Ao ver que estava tudo pronto, o Microfone pediu ao Ritmo para criar uma melodia e titim-titim-titim, apareceu ela espontaneamente.

Que belo espectáculo que tomou lugar!

Mas nas bancadas ficou uma palavra, que olhava intensamente para o cenário que o envolvia. Admirava-o e lamentava-se.

O grupo dos Palavrões arrancou-a de lá, os Defeitos encheram-na de ideias diabólicas e o Diabo, ouvindo algo que lhe dizia respeito, ainda interveio no meio, sabe-se lá vindo de onde. Então essa palavra agarra na bebida e devora-a, pega na comida e suga-a, afasta a diversão e aos encontrões, murros e pontapés, incitado pela Violência, desfaz as duplas e suja, estraga, destrói, constrói… Até as palavras que lhe eram próximas, como a Razão, a Consciência e o Sentimento consegue afastar.

A festa pára, o Microfone desespera… Porque é que uma coisa tão magnífica tinha de ser arruinada daquele modo?

O Homem pára também. A Altivez e o Poder dizem-lhe para festejar o que conseguiu. A Arrogância e o Egoísmo juntam-se ao clube para reforçar a ideia. Ele quer fazer isso, quer sentir-se o rei, quer as atenções todas voltadas para ele, desprezando os seus companheiros. E por momentos a Superficialidade colocou-o no topo.

Do cume vê a Fonte a confortar as filhas Lágrimas, o rasto de negrume que deixou, a beleza que desapareceu por um devaneio seu. A Clemência de joelhos pedindo, bem, misericórdia, o Medo dividido e a Confusão confusa. Todas elas chorando, destroçadas, rasgadas, violentadas por uma barbaridade. Até o Trauma ficou traumatizado quando viu a rosa vestida somente de espinhos, enquanto a seiva das suas pétalas vermelhas jorrava para o chão. Ninguém pensava ter de enfrentar este cenário, se bem que era do conhecimento de todos que o Futuro tinha casado com a Imprevisibilidade.

- O que é que eu fiz?...

(continua...)

1 comentário:

Rafeiro Perfumado disse...

Com uma festa assim até admira que os vizinhos não tenham chamado a GNR...

Beijoca!